Sousândrade
Nascido em 09 de julho de 1832, na vila de Guimarães, termo da então comarca de Alcântara no Estado do Maranhão, Joaquim de Souza Andrade ou Sousândrade, como o poeta gostava de ser chamado, possui uma obra poética original e inovadora para sua época, embora ainda bastante desconhecida do público. Durante anos, seus poemas ficaram esquecidos, sendo resgatados a partir de 1950. Sousândrade era filho de comerciantes de algodão, produto de grande exportação na época e que tinha o Maranhão como sua principal fonte de produção. Por isso, teve condições financeiras de estudar na Europa onde graduou-se em Letras pela Universidade de Sorbonne (Paris), além de ter cursado nessa mesma cidade o curso de Engenharia de Minas. Durante esse tempo de estudos na Europa, viajou para outros países, entre eles Portugal, Alemanha e Inglaterra. Nesses, entrou em contato com a poesia de grandes poetas como Baudelaire, Cesário Verde, Hördelin, Keatse tantos outros, o que influenciaria na formação de suas obras.
Em 1870, fixou residência nos Estados Unidos, pois sua filha foi estudar no Sacred Heart em Nova Iorque. No período de 1871 a 1879 foi secretário e colaborador do periódico O Novo Mundo, dirigido por José Carlos Rodrigues em Nova Iork (EUA). Voltou para São Luís no final do reinado de Dom Pedro II para lecionar no Liceu maranhense, comemora com entusiasmo a Proclamação de República. Participou ativamente da política naquele estado, sendo ativista da causa republicana.
Republicano convicto, em 1890 foi presidente da Intendência Municipal de São Luís – MA. Realizou a reforma do ensino, fundou escolas mistas e idealizou a bandeira do Estado. Foi candidato a senador, em 1890, mas desistiu antes da eleição. No mesmo ano foi presidente da Comissão de preparação do projeto da Constituição Maranhense.
Sua poesia contém algumas características da geração romântica, como a presença do nacionalismo e da nostalgia da terra querida, aliadas a uma forte preocupação social. Embora, alguns críticos classifiquem sua obra como pertencente à geração condoreira, ela possui elementos da poesia modernista, entres eles reflexões sobre a modernidade e a vida nas grandes cidades, valorização da cultura popular.
Sobre sua poesia, o poeta Augusto de Campos afirmou: "no quadro do Romantismo brasileiro, mais ou menos à altura da denominada 2ª geração romântica (conceito cronológico), passou clandestino um terremoto. Joaquim de Sousa Andrade, ou Sousândrade, como o poeta preferia que o chamassem, agitando assim, já na bizarria do nome, aglutinado e acentuado na esdrúxula, uma bandeira de guerra." Foi um poeta extremamente inovador para seu tempo, cuja obra apenas recentemente passou a ser estudada.
Publicou “Harpas selvagens”, em 1857, e "Harpa de Ouro" (1888/1889), porém sua obra mais importante é o longo poema “Guesa”, publicado enquanto Sousândrade ainda estava nos Estados Unidos. Obra que foi sucessivamente ampliada e corrigida, "Guesa" utiliza recursos expressivos, como a criação de neologimos e de metafóras vertiginosas, que só foram valorizados muito depois de sua morte. Faleceu em 21 de abril de 1902, no Hospital Português, em São Luís. Os originais de suas últimas produções tornaram-se papel de embrulho nos comércios da cidade.
“Ouvi dizer já por duas vezes que o Guesa Errante será lido 50 anos depois; entristeci – decepção de quem escreve 50 anos antes.” (Sousândrade, 1877).
Principais obras de Sousândrade
O Guesa Canto Primeiro Eia, imaginação divina! Os Andes Vulcânicos elevam cumes calvos, Circundados de gelos, mudos, alvos, Nuvens flutuando — que espetac'los grandes! Lá, onde o ponto do condor negreja, Cintilando no espaço como brilhos D'olhos, e cai a prumo sobre os filhos Do lhama descuidado; onde lampeja Da tempestade o raio; onde deserto, O azul sertão, formoso e deslumbrante, Arde do sol o incêndio, delirante Coração vivo em céu profundo aberto! ............................................. "Nos áureos tempos, nos jardins da América Infante adoração dobrando a crença Ante o belo sinal, nuvem ibérica Em sua noite a envolveu ruidosa e densa. "Cândidos Incas! Quando já campeiam Os heróis vencedores do inocente Índio nu; quando os templos s'incendeiam, Já sem virgens, sem ouro reluzente, "Sem as sombras dos reis filhos de Manco, Viu-se... (que tinham feito? e pouco havia A fazer-se...) num leito puro e branco A corrupção, que os braços estendia! "E da existência meiga, afortunada, O róseo fio nesse albor ameno Foi destruído. Como ensanguentada A terra fez sorrir ao céu sereno! "Foi tal a maldição dos que caídos Morderam dessa mãe querida o seio, A contrair-se aos beijos, denegridos, O desespero se imprimi-los veio, — "Que ressentiu-se, verdejante e válido, O floripôndio em flor; e quando o vento Mugindo estorce-o doloroso, pálido, Gemidos se ouvem no amplo firmamento! "E o Sol, que resplandece na montanha As noivas não encontra, não se abraçam No puro amor; e os fanfarrões d'Espanha, Em sangue edêneo os pés lavando, passam. "Caiu a noite da nação formosa; Cervais romperam por nevado armento, Quando com a ave a corte deliciosa Festejava o purpúreo nascimento." Assim volvia o olhar o Guesa Errante Às meneadas cimas qual altares Do gênio pátrio, que a ficar distante S`eleva a alma beijando-o além dos ares. E enfraquecido coração, perdoa Pungentes males que lhe estão dos seus — Talvez feridas setas abençoa Na hora saudosa, murmurando adeus. * * * Canto Segundo Opalescem os céus — clarões de prata — Beatífica luz pelo ar mimoso Dos nimbos d'alva exala-se, tão grata Acariciando o coração gostoso! Oh! doce enlevo! oh! bem-aventurança! Paradíseas manhãs! riso dos céus! Inocência do amor e da esperança Da natureza estremecida em Deus! Visão celeste! angélica encarnada Co'a nitente umidez d'ombros de leite, Onde encontra amor brando, almo deleite, E da infância do tempo a hora foi nada! A claridade aumenta, a onda desliza, Cintila co'o mais puro luzimento; De púrpura, de ouro, a c'roa se matiza Do tropical formoso firmamento! Qual um vaso de fina porcelana Que de através o sol alumiasse, Qual os relevos da pintura indiana É o oriente do dia quando nasce. Uma por uma todas se apagaram As estrelas, tamanhas e tão vivas, Qual os olhos que lânguidas cativas, Mal nutridas de amores, abaixaram. Aclaram-se as encostas viridantes, A espreguiçar-se a palma soberana; Remonta a Deus a vida, à origem d'antes, Amiga e matinal, donde dimana. Acorda a terra; as flores da alegria Abrem, fazem do leito de seus ramos Sua glória infantil; alcion em clamos Passa cantando sobre o cedro ao dia Lindas loas boiantes; o selvagem Cala-se, evoca doutro tempo um sonho, E curva a fronte... Deus, como é tristonho Seu vulto sem porvir em pé na margem! Talvez a amante, a filha haja descido, Qual esse tronco, para sempre o rio — Ele abana a cabeça co'o sombrio Riso do íris da noite entristecido. (...) Canto Segundo -O Tatuturema (MUXURANA, histórica:) — Os primeiros fizeram As escravas de nós; Nossas filhas roubavam, Logravam E vendiam após. (...) (Coro dos Índios:) — Mas os tempos mudaram, Já não se anda mais nu: Hoje o padre que folga, Que empolga, Vem conosco ao tatu. (TAGUAIBANUÇU conciliador; coro em desordem:) — Eram dias do estanco, Das conquista da Fé Por salvar tanto impio Gentio... — Maranduba, abaré!... (...) (Alvissareiras no areial:) — Aos céus sobem estrelas, Tupã-Caramuru! É Lindóia, Moema Coema, É a Paraguaçu; — Sobem céus as estrelas, Do festim rosicler! Idalinas, Verbenas De Atenas, Corações de mulher; — Moreninhas, Consuelos, Olho-azul Marabás, Palidez Juvenílias, Marílias Sem Gonzaga Tomás! (...) (Netuno:) — Os poetas plagiam, Desde rei Salomão: Se Deus cria — procriam, Transcriam — Mafamed e Sultão (...) (Cunhãmas e Cunhãtans:) — Lamartine é sagrado? — Se não tem maracás, Ô, ô, ô! — vibram arcos Macacos, Tatus-Tupinambás. (...) Canto terceiro As balseiras na luz resplandeciam — oh! que formoso dia de verão! Dragão dos mares, — na asa lhe rugiam Vagas, no bojo indômito vulcão! Sombrio, no convés, o Guesa errante De um para outro lado passeava Mudo, inquieto, rápido, inconstante, E em desalinho o manto que trajava. A fronte mais que nunca aflita, branca E pálida, os cabelos em desordem, Qual o que sonhos alta noite espanca, "Acordem, olhos meus, dizia, acordem!" E de través, espavorido olhando Com olhos chamejantes da loucura, Propendia p'ra as bordas, se alegrando Ante a espuma que rindo-se murmura: Sorrindo, qual quem da onda cristalina Pressentia surgirem louras filhas; Fitando olhos no sol, que já s'inclina, E rindo, rindo ao perpassar das ilhas. — Está ele assombrado?... Porém, certo Dentro lhe idéia vária tumultua: Fala de aparições que há no deserto, Sobre as lagoas ao clarão da lua. Imagens do ar, suaves, flutuantes, Ou deliradas, do alcantil sonoro, Cria nossa alma; imagens arrogantes, Ou qual aquela, que há de riso e choro: Uma imagem fatal (para o ocidente, Para os campos formosos d'áureas gemas, O sol, cingida a fronte de diademas, índio e belo atravessa lentamente): Estrela de carvão, astro apagado Prende-se mal seguro, vivo e cego, Na abóbada dos céus, — negro morcego Estende as asas no ar equilibrado. Canto Quinto Noite. Está reclinado o Guesa Errante, Olhando, — as grandes selvas se aclararam À fogueira que acesa foi distante... — Gritam das ruínas! as soidões gritaram! E luzente na noite, para as chamas Voa longo sibilo, serpentinos, No ar desatando laços repentinos, Fósfor nas bruno-lúcidas escamas, E à fogueira lançou-se, do ar alado, Surucucu-de-fogo! — árido ouvidos Eram crebos funestos estalidos Dos seus dúcteis anéis, o incêndio ateado! Oh! quanto a chama e a cobra, tormentosas, Uma à outra envolviam-se raivando Por mútua antipatia! e mais lutando, Mais, deslocando-se achas resinosas, Em labareda as chamas se laceram, Que ao meio delas, rúbida, convulsa, S'esmalta a cobra e relampeia e pulsa, Desdobrada espiral! — Emudeceram Do Guesa os servos, que dispersos foram E brandando e bradando amedrontados; Grupam-se ao longo; enquanto os apagados Incêndios vêem braseiros que descoram. Mas, desondeando pela terra o açoite, A cobra, em todo o orgulho de serpente, Alça o colo; e ciciando, e lentamente, O Guesa a vê passar través da noite; E luminosa e qual se então se houvesse, Vencidas chamas, acendido nelas, Traço de luz, lhe nota as malhas belas Do vermelhão, que às iras resplandece. Ora apagou-se; e dum brunido umbrio, Penetrou das ruínas na caverna: Lá, viva tocha o crânio, vela eterna; Os viandantes a vêem — quem nunca a viu? Umbrosa e tarda, à do silêncio guarda, Oh! paz e amor ao gênio bom dos lares, Que a luz ofende, que importuna acende Pródigo filho, a dor destes lugares! E esta Equidade eterna, que aos céus dera O raio serpentino, deu à terra A serpente radiante — açoite e açoite, Ou relâmpago, ou ação fugaz da noite. A dor foi longa, viu-se a pausa que houve — E continua a Guesa, tristemente A fronte a alevantar, que tão pendente Taciturna caía — ........................................... Canto Décimo -O Inferno de Wall Street (O GUESA, tendo atravessado as ANTILHAS, crê-se livre dos XEQUES e penetra em NEW-YORK-STOCK-EXCHANGE; a Voz dos desertos:) 1 — Orfeu, Dante, Enéias, ao inferno Desceram, o Inca há de subir... — Ogni sp'ranza lasciate, Che entrate... — Swedenborg, há mundo porvir? 2 (Xeques surgindo risonhos e disfarçados em Railroad- managers, Stockjobbers, Pimpbrokers, etc., etc., apregoando:) — Harlem! Erie! Central! Pennsylvania! — Milhão! cem milhões!! mil milhões!!! — Young é Grant! Jackson. Atkinson! Vanderbilts, Jay Goulds, anões! 3 (A Voz mal ouvida dentre a trovoada:) — Fulton's Folly, Codezo's Forgery... Fraude é o clamor da nação! Não entendem odes Railroads; Paralela Wall-Street à Chattám... 4 (Corretores continuando:) — Pigmeus, Brown Brothers! Bennett! Stewart! Rotschild e o ruivalho d'Astor!! — Gigantes, escravos Se os cravos Jorram luz, se finda-se a dor!... 5 (Norris, Attorney; Codezo, inventor; Young; Esq., manager; Atkinson, agent; Armstrong, agent; Rodhes, agent; P. Offman & Voldo, agents; algazarra, miragem; ao meio, o GUESA:) — Dois! três! cinco mil! se jogardes, Senhor, tereis cinco milhões! — Ganhou! ha! haa! haaa! — Hurrah! ah!... — Sumiram... seriam ladrões?... (...) 22 (Hino de Sankey chegando pelo telefono a Steinway Hall:) -O Lord! God! Almighty Policeman! O mundo é ladrão, beberrão, Burglar e o vil vândalo
Escândalo
Freevole... e ‘í vem tudo ao sermão!(...) | 50 (Comissários em Filadélfia expondo a CARIOCA de PEDRO AMÉRICO, QUAKERS admirados:) — Antedilúvio 'plesiosaurus,' Indústria nossa na Exposição... — Oh Ponza! que coxas! Que trouxas! De azul vidro é o sol patagão! (...) 73 (Fletcher historiando com chaves de São Pedro e pedras de São Paulo:) -Brasil é braseiro de rosas; A União, estados de amor: Floral... sub espinhos Daninhos; Espinhal... sub flor e mais flor. (...) 106 (Procissão internacional, povo de Israel, Orangianos, Fenianos, Budas, Mórmons, Comunistas, Niilistas, Farricocos, Rail-road-Strikers, All-brokers, All-jobbers, All-saints, All-devils, lanternas, música, sensação; Reporters: Passa em London o ‘assassino’ da Rainha e Em Paris ‘Lot’ o fugitivo de Sodoma:) -No Espírito-Santo d’escravos Há somente um Imperador; No dos livres, verso Reverso, É tudo coroado Senhor! (...) 176 (Magnético handle-organ; ring d’ursos sentenciando à pena-última o arquiteto da farsália; Odisseu fantasma nas chamas dos incêndios d’Albion:) -Bear,,, Bear é ber’beri, Bear... Bear... =Mammumma, mammumma, Mammão! -Bear... Bear... ber’... Pegásus... Parnasus =Mammumma, mammumma, Mammão. Harpa XXIV - O Inverno (...) Salve! felicidade melancólica, Doce estação da sombra e dos amores- Eu amo o inverno do equador brilhante! A terra me parece mais sensível. Aqui as virgens não se despem negras À voz do outono desdenhoso e déspota, Ai delas fossem irmãs, filhas dos homens! Aqui dos montes não nos foge o trono Dessas aves perdidas, nem do prado Desaparece a flor. A cobra mansa, Cor d'azougue, tardia, umbrosa e dúctil, No marfim do caminho endurecido Serpenteia, como onda de cabelos Da formosura no ombro. À noite a lua, Qual minha amante d'inocente riso, Co'a face branca assenta-se nas palmas Da montanha estendendo os seus candores, Mãe da poesia, solitária, errante: O sol nem queima o céu como os desertos, Simpáticas manhãs é sempre o dia. Geme às canções d'aldeia apaixonadas Mui saudoso violão: as vozes cantam Com náutico e celeste modulado. Chama às tácitas asas o silêncio Ao repouso, aos amores: as torrentes Prolongam uma saudade que medita: Vaga contemplação descora um pouco O adolescente e o velho: doce e triste Eu vejo o meu sentir a natureza Respirar do equador, selvagem bela De olhos alados de viver, à sombra Adormecendo d'árvore espaçosa. (...) Harpa XXVI - Fragmentos do Mar (...) Meneia a larga cauda e as barbatanas Limoso leviatã cheio de conchas Com dorso de rochedo que ondas cercam; Cristalinos pendões planta nas ventas, De brilhantes vapores, que em bandeiras Íris enrolam de formosa sombra. Negra fragata lá circula as asas Sobre a nuvem dos peixes voadores. Agora rompe a nau lençóis infindos Que o mar tépido choca, e vindo a aurora Já salta a criação d'escamas belas. (...) Harpa XXXII Dos rubros flancos do redondo oceano Com suas asas de luz prendendo a terra O sol eu vi nascer, jovem formoso Desordenando pelos ombros de ouro A perfumada luminosa coma, Nas faces de um calor que amor acende Sorriso de coral deixava errante. Em torno a mim não tragas os teus raios, Suspende, sol de fogo! tu, que outrora Em cândidas canções eu te saudava Nesta hora d'esperança, ergue-te e passa Sem ouvir minha lira. Quando infante Nos pés do laranjal adormecido, Orvalhado das flores que choviam Cheirosas dentre o ramo e a bela fruta, Na terra de meus pais eu despertava, Minhas irmãs sorrindo, e o canto e aromas, E o sussurrar de rúbida mangueira — Eram teus raios que primeiro vinham Roçar-me as cordas do alaúde brando Nos meus joelhos tímidos vagindo. Ouviste, sol minha'alma tênue d'anos Toda inocente e tua, como o arroio Em pedras estendido, em seus soluços Andando, como o fez a natureza: De uma luz piedosa me cercavas Aquecendo-me o peito e a fronte bela. Inda apareces como antigamente, Mas o mesmo eu não sou: hoje me encontras À beira do meu túmulo assentado Com a maldição nos lábios branquecidos, Azedo o peito, resfriada cinza Onde resvalas como em rocha lôbrega: Escurece essa esfera, os raios quebra, Apaga-te p'ra mim, que tu me cansas! A flor que lá nos vales levantaste Subindo o monte, já na terra inclina. Eu vi caindo o sol: como relevos Dos etéreos salões, nuvens bordaram As cintas do horizonte, e nas paredes Estátuas negras para mim voltadas, Tristes sombras daquelas que morreram; Logo depois de funerais cobriu-se Toda amplidão do céu, que recolheu-me. (...) Harpa XXXIV - Visões (...) Eu despertava em meu delírio Ante a realidade! a virgem morta, Pálida e fria a reconheço, eu rujo! E de homem ver-me, comecei chorar. — Quis seu corpo aquecer sobre o meu corpo; Uni sua boca à minha, a voz lhe dando, Que o túmulo não guarda. Em verdes folhas Nua deitei-a, as mãos postas, e as tranças Escorreram-lhe em torno. Dias, dias Preso a seus pés levei a contemplá-la! Grandes e abertos sobre mim ficaram Seus olhos fixos e vidrados, longos Como a meditação de uma sentença! (...) Eu vi! — seu corpo transparente inchando; Perderem-se os seus olhos nas suas faces; Humor fétido escoa-se da carne, Tão pura e fresca, tão cheirosa inda ontem, Que ela amou apertar em mim, d'insonte Frenética de amor, nervosa e trêmula! Formosa ondulação das castas ancas, Dos seios virginais, da alva cintura Bela voluptuosa... disformou-se Em repugnante, (quem a vira e amara!) Em nojenta, esverdeada, monstruosa Onda de podridão! Zumbiam moscas, Famintos corvos sobre mim se atiram, Recurvas unhas regaçando e abrindo Negras asas e o bico, triunfantes Soltando agouros! Eu a defendia Da ave e do inseto, que irritados vêem-me. (...) (...) Eu quis limpá-la Desses monstros horríveis, que a comiam Diante mim! porém, tudo era imundícia, Oh! quantas vezes me lancei sobre ela, Julgando tudo amores, tudo encantos Dela emanando em límpidos arroios! Fujo de nojo... de piedade eu volto... Depois, como as enchentes pluviais Escoando, que os troncos já se amostram, Seus ossos vão ficando descobertos. Oh! mirrado eu fiquei do sofrimento, De tanta dor curtir! E tu, ó Deus, Que tudo acabas, sofrerás também? Porque tão miseráveis nos fizeste, Deus d'escárnio? teus filhos nós não somos... Que sorte de alimento ou de deleite Encontras na desgraça desumana? Belo horror da existência — formosura, Filha da natureza engrandecida No seu pecado e morte, meteoro Enganoso da noite, flor vermelha Em veneno banhada, mulher bela! — Tudo ali 'stá! — ó mundo! mundo... mundo... (...) Embalde interroguei mudo cadáver, E os ossos amarelos nem respondem! Mas, aqui a mulher não é perjura: Só lembrança de amor santo evapora — A beleza se forma ao pensamento, À saudade suas véstias se derramam. (...) Harpa XXXV - Visões .......................................... Mas, o rio que passa azul, vermelho, Conforme a cor do céu, quem foi que o fez? Quem é que do despenho alcantilado Leva-o saudar os campos e esses vales? E este vento que me açoita as faces De condenado e arranca-me os cabelos? E este coro florestal da terra, Solene e cheio, como dos altares, Vozes, órgãos, incenso todo o templo? Este meu pensamento pressuroso Rolando dentro em mim? este meu corpo Ninho dessa ave de tão vastas asas?... Quanto é sublime todo este universo! Quem te negara o ser? — quando houve tempo Quando nada existiu, que tudo fez-se! Mas, o infinito compreender não posso. Donde saíste, Deus, onde vivias, Rodeado do espaço? ele gerou-te Por dominá-lo sol onipotente? Mais ele fora. Não. Acaso o caos, Revolvido incessante às tempestades, Estalado em lascões, lavas brilhantes Outras térreas, librando-se embaladas Nas asas da atração fraterna entre elas, Qual presas pelas mãos por não perderem-se, Ordenou-se por si? ou fora acaso A criação fatal, tudo se erguendo Segundo as circunstâncias? Oh, inferno Da obscura razão — mofa, ludíbrio Com que Deus pisa o homem! Um Deus fez tudo! Um Deus... palavra abstrata, incompreensível... Mas a sinto tão ampla, que me perde! — E então, quem aos mares suspendidos A verdura defende, e que se atirem Uns astros sobre os outros? Deus...um Deus Ao sol dá cetro e luz, asas ao vento, Leito às águas dormir, delírio ao homem Quando queira abraçá-lo. Dorme o infante Sob os pés de sua mãe, que ama e não sabe: A natureza ao Criador se humilhe. Não tenho alma infinita, porque é cega À verdade imortal: visse ela o eterno — Quanto eu amara! quanto — Eu sou bastardo, Não sei quem são meus pais... se amar não posso, A existência me enfada: enjeito-a, e morro! (...) Elogio do Alexandrino Asclepiádeo verso: à evolução do poema Das sestas, cadenciar d'altas antigüidades, já porque bipartido em fúlgidas metades Reata em conjunção opostos de um dilema, E já por ser de gala a forma do matiz Heleno na escultura e lácio na linguagem Reacesda, de Alexandre, em fogos de Paris: Paris o tom da moda, o bom gosto, a roupagem; Que desperta aos tocsins, galo às estrelas d'alva, Que faz revoluções de Filadélfia às salvas E o verso-luz, fardeur das formas, de grandeza, o verso-formosura, adornos, lauta mesa Ond' tokay, champanh', flor, copos cristal-diamantes Sobrelevam roast-beef e os queijos e o pudding. Porém, mens divinior, poesia é o férreo guante: Ao das delícias tempo, o fácil verso ovante, o verso cor de rosa, o de oiro, o de carmim, Dos raios que o astro veste em dia azul-celeste; E para os que têm fome e sede de justiça, O verso condor, chama, alárum, de carniça, D'harpas d'Ésquilus, de Hugo, a dor, a tempestade: Que, embora contra um deus "Figaro" impiedade Vesgo olhinho a piscar diga tambour-major, Restruge alto acordando os cândidos espíritos Às glórias do oceano e percutindo os gritos Réus. Ao belo trovoar do magno Trovador Ouve-se afinação no mundo brasileiro, Acorde tão formoso, hodierno, hospitaleiro, Flamívomo social, encantador. Fulgura Luz de dia primeiro, a nota formosura, Que ao jeová-grande-abrir faz novo Éden luzir. Harpa de Ouro 1889-1899 República é Menina Bonita Diamante Incorruptível 1 Entre os astros, sagrados montes Feliz asilo da paixão: Puros jardins, sonoras fontes, E virginal um coração Vibrando aos claros horizontes E encantado à etérea soidão. 2 Quis ser em chegar, primeirinha: Oh! A gentileza do lar! A tudo dispor; pra onde vinha Sem dizer e onde a s’encontrar Fé, por sugestão que adivinha, Alma que espera. “Hei de, he de a(...) 3 “Doces miragens, adeus! Vejo Na profundez do coração, O interno oceano do desejo, D’Heleura a ideal solidão: Vos deixo a Deus. Deixai-me o beijo Preço da livre sem senão: 4 “Doutra dona... oh, a inteligência Dona... mas, cetim branco e flor! ‘Menina e moça’, áurea existência Musa cívica a Musa-Amor! Já fotografara-te o pensamento Que um pensamento houve a transpor”. 5 Das cinzas fênix renascida, Arte divina a retratar Anos treze - quão parecida! Ela era; hei de noutra a encontrar Helê que dos céus é descida, Céus! A borboleta solar! 6 “A metamorfose sagrada De jovem pátria e o cidadão Oiro de lei, Virgínia honrada Por todo o nobre coração: Ditando diga: eu sou a amada, A amante Luz, o Amor e o Pão.” |
Fonte: http://www.jayrus.art.br/Apostilas/LiteraturaBrasileira/Romantismo/SOUSANDRADE.htm
http://poetasdemarte.blogspot.com.br/2009/05/sousandrade-biografia.html
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